Fraude de R$ 45 mi obrigava estudantes a usar ônibus precários na Bahia

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O esquema de fraudes em licitações para o transporte escolar identificado em 35 prefeituras baianas, e que teria desviado, pelo menos, R$ 45 milhões da União, pôs em risco a vida de milhares de estudantes, que eram obrigados a utilizar veículos precários para chegar à escola.

Além disso, os líderes do esquema costumavam bancar políticos em campanhas eleitorais e dava as cartas em decisões do Legislativo e Executivo em algumas cidades.

As revelações foram feitas nesta quinta-feira (23), quando o esquema começou a ser desmontado durante a Operação Lateronis, realizada por 180 pessoas, entre agentes da Polícia Federal e auditores da Controladoria-Geral da União (CGU).

Principal alvo da operação, a Cooperativa Mista de Transporte e Manutenção Funcional do Vale do Rio Pardo (Transcoopardo) atuava com registro empresarial que não era dela.
Além da Transcoopardo, também faziam parte do esquema uma outra cooperativa de transporte e uma empresa do mesmo ramo, e cujos nomes não foram revelados.

Políticos presos
Dos nove mandados de prisão preventiva, a PF não conseguiu cumprir apenas um. Quatro envolvidos foram presos temporariamente e treze pessoas tiveram expedidas contra elas medidas cautelares, como proibição de frequentar prefeituras.

Entre os presos, estão ex-secretários, ex-vereadores, um ex-assessor de um deputado federal, funcionários das cooperativas e ex-servidores municipais. Os nomes não foram divulgados.

PF cumpriu mandados em 16 cidades baianas e uma mineira nesta quinta (Foto: Divulgação/PF)

Houve ainda o cumprimento de 41 mandados de busca e apreensão, realizados nos endereços onde os suspeitos residiam, mantinham empresas fantasmas e nos escritórios de atuação. O cumprimento dos mandados ocorreu em 16 municípios baianos e na cidade mineira Mata Verde.

Na Bahia, os endereços ficam nas cidades de Barra do Choça, Cândido Sales, Condeúba, Encruzilhada, Ribeirão do Largo, Gandu, Itambé, Jequié, Vitória da Conquista, Piripá, Tanhaçu, Ipirá, Barreiras, Luís Eduardo Magalhães, Formosa do Rio Preto e Salvador. Na capital e em Vitória da Conquista foram realizadas apenas apreensões – não há envolvimento das prefeituras no esquema.

Período
As fraudes, segundo a superintendência da CGU na Bahia, ocorreram entre 2010 e 2016 e começaram a ser investigadas pelo órgão federal em 2013.

O valor dos contratos com as 35 prefeituras foi de R$ 132 milhões, sendo R$ 11 milhões do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate) e R$ 52 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), ambos do Ministério da Educação.

O restante é de contrapartida das prefeituras. A polícia informou que ainda há contratos vigentes, mas que, a princípio, as atuais administrações não sabiam das fraudes.

CNPJ de gráfica
Um dos contratos apontados pela Polícia Federal e pela CGU como fraudados é o realizado entre a Transcoopardo e a Prefeitura de Itambé, em 2014, no valor de R$ 1,6 milhões, pelo prazo de oito meses.

Nele aparece como sendo da Transcoopardo o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) de uma gráfica de Vitória da Conquista, cujo dono Reinaldo Rosendo Souza, 64, afirmou nunca ter ouvido falar da cooperativa.

A gráfica, na verdade, funciona em frente ao endereço registrado na Receita Federal, e o imóvel do endereço, no bairro Ibirapuera, é alugado para moradia pelo dono. A gráfica não foi alvo da operação desta quinta-feira.

“Estou surpreso com essa informação, pois nunca ouvi falar dessa cooperativa”, disse Rosendo, que informou já ter prestado serviços para a prefeitura de Itambé “há uns dois anos”.

“Pode ter sido a prefeitura que passou meus dados, ou outra pessoa lá de dentro, não sei”, afirmou Rosendo ao CORREIO.

Ele suspeita também de um antigo inquilino que trabalhava com o transporte de vãs em Vitória da Conquista e morava no endereço do imóvel. “Ele se mudou há um ano e nunca mais o vi”, comentou.

Aberta em 5 de março de 2013 com capital de R$ 700 mil, a Transcoopardo tem como presidente João Francisco da Rocha Nande e diretores Hélio Francisco Brito e Alekson Garcia Leal. A sede da empresa é no bairro Sidney Pereira de Andrade.

Segundo a Polícia Federal, o núcleo do grupo responsável pelas fraudes tinha bases em Itambé e Encruzilhada. Um dos líderes é um ex-prefeito de Ribeirão do Largo, que não teve o nome revelado e a PF não informou em que gestão ele governou a cidade.

Operação apreendeu armas, drogas, além de montante de dinheiro na operação (Foto: Divulgação/PF)

O CORREIO tentou contato com a Transcoopardo, mas a funcionária da cooperativa disse por telefone que não havia ninguém que poderia dar informação. A reportagem ainda solicitou o contato do setor jurídico, mas ele foi negado.

A cooperativa vem realizando contratos com prefeituras da Bahia por valores diversos, sendo que alguns deles ainda estão vigentes, como em Cotegipe, onde foi contratada em 24 de maio deste ano por R$ 596.500. O contrato é de um ano.

Chama a atenção também um contrato da Transcoopardo emergencial de 90 dias com a Prefeitura de Barreiras, em 2 março deste ano. Dias após a assinatura do contrato, a Prefeitura publicou uma errata informando que o valor de R$ 350.784 necessitava de correção “por lapso de digitação”, tendo sido alterado para R$ 1.019.720.

Controle político
Em entrevista coletiva nesta quinta-feira, autoridades da PF e da CGU na Bahia disseram que o grupo de políticos e empresários suspeitos das fraudes no transporte escolar em 35 prefeituras da Bahia mandava e desmandava nos poderes Executivo e Legislativo de algumas dessas cidades.

Eles nomeavam secretários, escolhiam candidatos a prefeito e vereador, financiavam campanhas eleitorais por meio de caixa 2 e decidiam até qual gestor teria as contas aprovadas, ou não, por parte da Câmara de Vereadores.

Para realizar o esquema, os envolvidos criaram duas cooperativas de transporte escolar e uma empresa do mesmo ramo para participar de licitações das prefeituras e aparentar que estava tendo concorrência, mas já definido quem ganharia a licitação.

Metade do serviço
Após assinar os contratos, as cooperativas terceirizaram os serviços para os quais foram contratadas e deixavam de realizar até metade do acertado, o que prejudicava o acesso de alunos da zona rural à educação.

Segundo o superintendente da CGU na Bahia, Ronaldo Machado, o núcleo do grupo mantinha endereços de fachada em outras cidades, como em Barra do Choça, onde o endereço de uma das empresas funcionava uma lan house.

Em Encruzilhada, segundo a CGU, além de exigências ilegais e restritivas nos editais de licitações, apurou-se que os próprios certames eram conduzidos para impedir a participação de outros interessados.

O CORREIO apurou que, na segunda-feira (20), a Transcoopardo teve um pedido de impugnação de edital aceito pela prefeitura de Ibirapitanga, em uma licitação para o transporte escolar para o ano de 2018.

Segundo a apuração da CGU, a prefeitura de Encruzilhada também utilizou de artifícios como a realização de sessões de abertura de licitações na modalidade pregão presencial em dia de ponto facultativo, como de quarta-feira de cinzas e dia posterior ao natal.

Como resultado, três supostas concorrentes do pregão presencial foram representadas por membros de um mesmo grupo familiar, evidenciando tratar-se de mera simulação de competição, informou a CGU.

Além disso, a execução dos contratos ocorria por meio da irregular subcontratação integral do serviço. Os motoristas realizavam o transporte com os próprios veículos e não eram nem cooperados nem empregados, tendo que arcar com todos os custos.

As contratadas atuavam apenas como pessoas interpostas, sendo que o desvio de recursos ocorria mediante o superfaturamento dos valores cobrados do município. Em Itambé, também alvo de fiscalização da CGU, constatou-se superfaturamento total de mais de R$ 1,5 milhão, nos exercícios de 2013 a 2015.

Os envolvidos responderão pelos crimes de peculato, organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva e fraude à licitação.

Nome da operação
A operação foi batizada de Leteronis numa referência aos soldados da Roma Antiga que guardavam as laterais e as costas do imperador e que, de tanto estarem ao lado do poder, passaram a acreditar que eram o próprio poder e que podiam atuar de forma impune ao cometerem delitos contra os mais pobres.

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