Literatura indígena no ambiente escolar: práticas inclusivas na sala de aula

O ensino de Literatura nas escolas brasileiras mostra-se ainda desconectado aos saberes orais e ancestrais dos povos indígenas. Mesmo com o surgimento da Lei 11.645/2008 que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino, o que se observa no cotidiano escolar são  leituras e repetições de atividades voltadas para o cânone literário, ou seja, aqueles “consagrados” pela autoria branca, masculina e hegemônica. Longe de desconsideramos tais textos, que fazem parte da nossa formação e constituem a tradição da nossa história literária, é bom repensarmos também que outras narrativas podem contribuir para o aprimoramento intelectual dos nossos alunos. E é dentro dessa reflexão, que se insere a literatura de autoria indígena, por ser uma excelente oportunidade para despertar a consciência crítica dos nossos jovens.

Com um contexto marcado por violências, exclusão social e preconceito que data desde a época da colonização e se estende até os dias atuais, os indígenas das mais diversas etnias vêm buscando meios de ampliar a divulgação das suas culturas desde a década de 1990.  Esse fenômeno, ainda desconhecido  por  grande  parte  dos  brasileiros,  deve-se,  entre  outros  motivos,  pelo  fato  de um  número  considerável  de  indígenas  terem  saído  de  suas  comunidades  de  origem  para  estudar nas capitais brasileiras, conseguindo assim títulos acadêmicos e posteriormente, publicando obras  relacionadas  à  cultura de seus povos.

No  entanto,  apesar  de  uma  vasta  gama  de obras  impressas  publicadas  por  esses escritores, observa-se  que  é  através  da  internet que muitos deles ganham maior visibilidade, seja pelo aspecto democrático e interativo deste meio  de  comunicação  ou  por  ser  uma  alternativa  mais  viável  para  quem  não  tem  condições financeiras  para  adquirir  os  livros.  Leva-se também  em  consideração,  que  a  literatura  na  era da  contemporaneidade,  adquiriu  novas  parcerias  além  do  livro  impresso,  possibilitando assim  um  leque  mais  abrangente  de  divulgação  artística  através  de  blogs  e  redes  sociais. Nesse sentido,  a fluidez de gêneros literários e  a absorção dos diversos recursos midiáticos que  envolvem  a  construção  do  texto  trazem uma   crescente   democratização   para   os estudos   literários,   proporcionando   uma maior  aproximação  entre   textos e leitores da era digital.

Sobre   as  diversas  expressões   da   literatura   no século   XXI,   percebemos   que   essas   novas características  de  publicar,  ler  e  narrar obras   literárias   nos   espaços   midiáticos fortaleceram  grupos  que  antes  ficavam  à margem  das  publicações  tradicionais  de grandes editoras, absorvendo desta forma uma  quantidade  maior  de  pessoas  que  se adaptaram   à  leitura   de  blogs  literários pela  internet.  Foi o  que  aconteceu  com muitos   intelectuais   indígenas   e   negros, que   antes   não   possuíam   meios   mais eficazes e democráticos de divulgação das suas   obras   e   agora   contam   com   um número  expressivo  de  sites,  redes  sociais e outras formas digitais de divulgação.

Voltado para uma formação pedagógica humanista temos o exemplo do escritor Daniel Munduruku, autor de mais de 50 títulos e com uma vasta experiência no campo educacional. Com contas ativas nas redes sociais e sempre alimentando o seu blog e site, Daniel Munduruku é um exemplo de militante que atua na área há algum tempo, dialogando tanto com a publicação de seus livros impressos quanto com os meios digitais. A sua obra Crônicas indígenas para rir e refletir na escola deve ser adotada nas instituições públicas e particulares pelo seu caráter de desconstrução e ao mesmo tempo de resistência. O autor, através de uma escrita fácil, descontraída e ao mesmo tempo objetiva e reflexiva, consegue “seduzir” o leitor exigente do século XXI, principalmente crianças e adolescentes que vivem imersos na era da imagem e dos vídeos breves. A orientação é que nós, pais e educadores que visam ampliar os conhecimentos dos nossos filhos sobre as mais diversas etnias, dediquem seu tempo para ler crônicas, poemas e contos de autoria indígena, pois são textos de fácil assimilação e que possuem um rico poder de imaginação. Além do mais, pelo caráter de denúncia, as obras indígenas são uma ferramenta eficaz para desmistificar ideias erradas que se propagaram sobre os indígenas desde a vinda dos primeiros cronistas portugueses.

É ainda preocupante quando entramos na sala de aula do Ensino Médio e observamos alunos reproduzindo estereótipos que se difundiram durante séculos acerca das etnias indígenas. São exemplos recorrentes: “Índio sabe ler e escrever” ? “Índio tem celular como a gente”? “Eles vivem lá no meio da floresta, não é”? “Todo índio é preguiçoso porque eles inventaram a rede”! Questionamentos que denotam ignorância e preconceito contra as culturas do Outro, e muitas vezes, falta de um embasamento curricular que contemple a lei de inclusão de histórias indígenas nas escolas. Nesse sentido, o aluno vivencia grandes lacunas no ensino fundamental e leva seu desconhecimento para o ensino médio.

No entanto, através de uma literatura de retomada e resistência, Daniel Munduruku nos ilumina com o seu pensamento de educador. Em uma das suas crônicas,  intitulada “A força de um apelido”, o escritor e ativista nos ensina uma das primeiras lições contra o preconceito: evite pronunciar o termo “índio”, inventado pelos portugueses, e comece a falar e escrever “indígena”. Isso porque, para os militantes e estudiosos das culturas e línguas indígenas, o termo “índio” soa como pejorativo, além de colocar um rico mosaico de culturas, línguas, costumes e etnias em um bloco único. Afinal, são várias etnias indígenas espalhadas pelas regiões brasileiras, e cada uma valoriza os seus saberes ancestrais, práticas de oralidade e valores morais como  respeito aos mais velhos e preservação do meio ambiente, além de trazer uma gama variada de saberes e artes peculiares a cada etnia, como pintura, música, literatura e dança.

Necessário e urgente que escolas particulares e públicas, da educação infantil ao ensino médio dialoguem com as culturas de matrizes indígenas e africanas, além do cânone literário, nossa tradição. Se cada instituição escolar introduzir cursos preparatórios para os professores, objetivando que os profissionais da área tenham segurança e aptidão necessárias para lidar com a diversidade, nossos alunos terão, consequentemente um rico repertório cultural que poderá ser levado além da vida escolar. Escritores como Eliane Potiguara, Graça Graúna, Olívio Jecupé, o nosso imortal Ailton Krenak e tantos outros, querem ser lidos, estudados e verem suas culturas respeitadas pelo Brasil afora. Além de sensibilizar leitores, a inserção da literatura indígena na sala de aula tem o poder de comover e ampliar  conhecimentos a respeito de culturas tão esquecidas mas ricas de valores ancestrais, que merecem todo o nosso respeito e validação. Por mais empatia, inclusão e diversidade na sala de aula: é isso que a nossa educação escolar necessita hoje em dia.

 

Rosana Carvalho da Silva Ghignatti – Atualmente é professora do Colégio Propedêutico, localizado na cidade de Riachão do Jacuípe, Ba. Sua atuação como docente nessa instituição privilegia o ensino de literatura afro-brasileira, indígena e de autoria feminina, além de constantes diálogos com a tradição literária. Doutora em Literatura e Cultura (UFBA); Mestra em Literatura e Diversidade Cultural (UEFS); Especialista em Estudos Literários (UEFS) e Graduada em Letras Vernáculas (UNEB), possui experiência na docência superior (UNEB) atuando na área de língua e culturas indígenas, literatura de autoria feminina e literatura portuguesa. Publicou na Revista Opará: Etnicidades, Movimentos sociais e Educação, alguns artigos voltados para a literatura indígena, analisando obras de Kaká Werá Jecupé, Graça Graúna, Eliane Potiguara, Daniel Munduruku, dentre outros.

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